sexta-feira, 22 de junho de 2007

A Música do Brasil

RETROPICALISMO
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Textos de Omar Godoy
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Artistas brasileiros são a nova mania entre o público antenado americano. Não se via uma onda tão grande da nossa música nos Estados Unidos desde o estouro da bossa nova, ainda na década de 60. Os discos mais recentes de Caetano Veloso, Milton Nascimento, Gilberto Gil (ganhador de um Grammy) e Tom Zé receberam críticas mais do que positivas das revistas especializadas, tanto as mais famosas quanto as alternativas. Até nomes considerados medianos por aqui, como Vinícius Cantuária, estão sendo exaltados pelos gringos. É uma espécie de segunda invasão verde-e-amarela em território ianque.
O músico americano Arto Lindsay morou no Brasil por muito tempo e levou algumas sementes da nossa sonoridade para sua terra. David Byrne também é um dos maiores responsáveis pelo recente levante musical brasileiro no exterior. O ex-líder dos Talking Heads resgatou Tom Zé do ostracismo e criou uma carreira internacional para o baiano. O super produtor Quincy Jones disse que gostaria de ouvir "Começar de Novo", de Ivan Lins, antes de morrer. O moderninho Beck adora Jorge Benjor. Entre os roqueiros, bandas como Nirvana, L7, Fugazi e Posies sinalizaram sua admiração pelos Mutantes. Não podemos nos esquecer do oportunista Paul Simon, que convidou o Olodum para as gravações de The Rhythm of The Saints, seu último trabalho de repercussão. Recentemente, a revista Ray Gun fez uma matéria sobre o mangue beat, enchendo a bola de Fred 04 e do falecido Chico Science.
De Carmen Miranda ao Mundo Livre s/a, passando por Djavan, Sérgio Mendes, Marcos Valle e Sepultura, a música brasileira é vista com respeito pelos americanos. Os tropicalistas, porém, são a grande bola da vez. A maior prova disso é a coletânea The Best Of Tropicália, aposta da gravadora Universal para o mercado estrangeiro. Também lançado no Brasil, o disco contém catorze faixas essenciais para entender o gênero e concentra-se basicamente em músicas de Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa e Mutantes. Clássicos como "Tropicália", "Divino Maravilhoso", "Panis Et Circenses", "Alegria Alegria" e "Batmacumba" compõem o repertório impecável da compilação.
A grande virtude do movimento é não descartar nenhum tipo de música. Do clássico ao brega, tudo passa pela antropofagia dos tropicalistas. Uma mesma canção pode conter harmonia dos Beatles, refrão exagerado no melhor estilo de Orlando Silva, psicodelia radical e batucada afro-brasileira. Se a cultura de massa estrangeira sempre invadiu nosso país, aqui nada há de xenofobia. A ordem é pegar o melhor do que vier de fora e reciclar ou jogar no lixo o que não prestar.
Se você é daqueles que descobriram a bossa nova pelos discos do Stereolab, seja inteligente e fique ligado no que acontece ao seu redor. A fonte de inspiração de seus artistas preferidos pode estar bem próxima de você. Talvez até na coleção de discos de seus pais.
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Influências


Os Mutantas; capa da coletânea americana The Best of Os Mutantes

Stereolab
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OS MUTANTES
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Se Raul Seixas é o maior roqueiro brasileiro de todos os tempos, Os Mutantes certamente são a mais importante banda de nossa história. Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias (que formavam o núcleo central do grupo, apesar dos outros integrantes posteriores e eventuais convidados) foram os primeiros a ter um estilo próprio no rock brazuca, mesclando influências nacionais e estrangeiras absorvidas de todos os lados. Sua importância ultrapassa as fronteiras musicais, pois a atitude e rebeldia do trio fizeram tremer as estruturas de seu tempo. Além de chocar os conservadores, Os Mutantes provocaram também alguns artistas, que nem sempre nutriam simpatia pela banda.
A obra do grupo vem passando por um processo de redescoberta nos últimos anos. No Brasil, cada vez mais moleques vêm se surpeendendo com o som da banda. Para estes recém-iniciados no universo mutante, o trio representa um verdadeiro oásis perto da indigência do rock nacional da atualidade. Fora do país, Os Mutantes também estão em alta. O selo americano Luaka Bop (de David Byrne, ex-Talking Heads e entusiasta da música brasileira) lançou este ano Everything Is Possible, uma abrangente coletânea bastante recomendada aos que ainda não travaram contato com os geniais discos do grupo paulista (o disco já ganhou edição nacional, pela gravadora Universal).
A história dos Mutantes tem início com com Cláudio César Baptista, irmão mais velho de Arnaldo e Sérgio. Influenciados pelo seu gosto pelo rock de grupos como The Ventures, os dois começam a aprender a tocar instrumentos musicais logo cedo. A educação liberal dada pelos pais também é fundamental para o despreendimento dos filhos. Os três irmãos tocam em algumas bandas de garagem, até que Cláudio decide se dedicar inteiramente à condição de técnico de som, terreno que domina como ninguém. Rita Lee se une aos Baptista no grupo Six Sided Rockers. Algumas mudanças de nome e formação ocorrem até o surgimento dos Mutantes como conhecemos.
Depois de vários shows e participações em programas de televisão, o trio finalmente estréia em disco com Os Mutantes, de 1968. O ano seguinte traz o lançamento do segundo trabalho, Mutantes, e marca os primeiros shows do grupo no exterior. O trio, acrescido do baterista Dinho, vai à França e volta com uma novidade: Arnaldo está aprendendo a tocar teclado. No caso dos Baptista, pegar as manhas de um instrumento significa dominá-lo em questão de meses.
O terceiro álbum, considerado por muitos o melhor dos Mutantes, sai em 1970 e é batizado de A Divina Comédia Humana ou Ando Meio Desligado. Nesse meio tempo, o trio experimenta LSD, é duramente discriminado pelo pessoal da emepebê e grava um disco (Technicolor, nunca lançado até agora) durante sua segunda estadia em território francês. Também são plantadas as primeiras sementes da carreira solo de Rita Lee, com o show e o disco Build Up.
Com o tempo, Os Mutantes vão se sofisticando musicalmente. Assim como os Novos Baianos, a banda (agora contando com o baixista Liminha, que futuramente se tornará o produtor de discos mais conhecido do Brasil) resolveu fundar uma espécie de comunidade, seguindo os ideais do flower power. Jardim Elétrico (1971) apresenta as influências de rock progressivo que serão definitivamente incorporadas nos próximos trabalhos. No ano seguinte saem os álbuns Os Mutantes e Seus Cometas No País dos Baurets e Hoje é o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida, a segunda empreitada "solo" de Rita Lee. O solo do caso vem entre aspas pois o disco conta com os Mutantes como banda de apoio de Rita, que é só mais uma peça no decorrer do disco, não a estrela central.
Começam então as inúmeras crises que culminam na saída de Rita dos Mutantes. O sexto disco, O A e o Z (1973), não é aceito pela gravadora e o desestimulado Arnaldo resolve deixar a banda. Sérgio Baptista ainda toca as atividades do grupo por algum tempo, mas a magia original já se acabara. Seguem-se os álbuns Tudo Foi Feito Pelo Sol (74) e Ao Vivo (76).
A biografia A Divina Comédia dos Mutantes, lançada pela Editora 34 e escrita pelo jornalista Carlos Calado, é um ótimo começo para os interessados no universo da banda paulista. Porém, a riquíssima trajetória de Rita, Arnaldo, Sérgio e companhia não pode de ser resumida em apenas um livro. Espera-se que sejam publicados mais títulos sobre Os Mutantes. Pois seu nome sempre será sinônimo de rock'n'roll, no sentido mais amplo e mítico do termo.
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Livro: A divina comédia dos Mutantes
Autor: Carlos Calado
Editora: 34

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