quinta-feira, 26 de julho de 2007

COMO FAZER UMA CANÇÃO

o que aprendi

Elvis Costello


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O que aprendi? Bem, pode-se responder isso em vários níveis, não é? Pode-se responder num nível filosófico, ou a gente pode dizer: “Conheço o restaurante tal”, ou “Use sempre o travesseiro de espuma”.
Um dia, estive num quarto com o Chuck Berry. Disse a mim mesmo: Não quero conhecer você. Só quero olhar você. Ele era de meter medo.
Todos nós não passamos de animais.
É só o que nós somos e tudo o mais não passa de uma rebuscada justificativa de nossos instintos. É daí que vem a música. E a poesia romântica. E os romances ruins. Às vezes, quando termino de ler um romance ruim, digo: Você escreveu setecentas páginas só pra dizer isso? Não poderia ter apenas dito ‘Quero trepar!’?
É legal uma fruta no meio do dia.
A felicidade não é um desses bilhetinhos da sorte que vêm dentro de um biscoito. É algo mais profundo, mais vasto, mais divertido e mais arrebatador.
Não sou lá grande coisa pra transmitir alegria.
Vocês têm de conhecer o Sting.
É um cara superbacana. Sempre foi um cara legal, muito bonito, tem uma voz boa. Não é uma voz que me agrade em especial. Ele compôs uma ou duas canções boas de verdade, e foi tremendamente feliz em vários aspectos. É a idéia que certas pessoas têm de um sujeito sofisticado. Toca em festas de empresas; talvez ninguém o convide para festas melhores. Mas no mundo da música sempre tem alguém talhado para representar esse papel, e acho que é fácil para ele segurar a barra de ser uma espécie de saco de pancada. Não acho que seja um músico insincero. Só que, na música, não parece gostar das mesmas coisas que eu.
Canções são mais fortes do que livros.
Elvis provavelmente foi um pouco mais curioso do que os outros moleques, e por isso ele é o que é.
Nas canções de John Lennon, as pessoas tendem a destacar os versos que soam como epitáfios ou cartões de felicitação.
É muito esquisito passar de carro no aeroporto de Liverpool e ver as palavras: “Acima de nós, só o céu”. O céu está cheio de aviões! Mas, no fim, todo mundo acaba virando uma estamparia de toalha de mesa produzida em massa.
Vi um monte de lugares exóticos, no meu trabalho e em todas as minhas viagens. Mas o lugar que ainda quero ver é o que está nos olhos de alguém. Sabe como é: viaje menos, veja mais.
Não gosto desta idéia, cirurgia ocular. Essa eu não vou encarar. É que nem aumentar o pênis ou coisa do tipo.
Viver por um tempo muito longo é uma coisa apavorante.

Mais cedo ou mais tarde vamos precisar de mochilas a jato para circular. E de capacetes espaciais, com bombinhas de Aerolin embutidas, para conseguir respirar. Sabe o que é o Aerolin? É aquele negócio que os asmáticos tomam. Hoje em dia, um monte de crianças têm asma. Em matéria de emporcalhar tudo, a gente faz mesmo um serviço de primeira.
Leia revistas à margem da industria da música.
É aí que está a maior parte das músicas interessantes.
Antigamente o pessoal levava as coisas numa boa, não é mesmo? Eles tinham os blues, naquele tempo. Entendiam a idéia dos blues.
Eu usava o tempo todo aquelas lentes azuis. A gente fica mesmo deprimido se usa lentes azuis. Quando as pessoas dizem “você está vendo o mundo através de lentes cor-de-rosa”, bem, eu não tenho idéia do efeito das lentes cor-de-rosa, mas conheço o efeito das lentes azuis. Elas deixam a gente triste.

Até 1971, eu não tinha nenhum disco LP do Bob Dylan. Para mim, ele era um grande artista de compactos. A gente ouvia Dylan no rádio. Que coisa chocante viver num mundo onde havia Manfred Mann, os Supremes, Engelbert Humperdink e lá vem “Like a Rolling Stone”. Era um mundo ótimo, um tempo empolgante.
A suposição de que uma coisa não é para nós é uma suposição que, cedo ou tarde, pode ser desfeita.
É muito importante conceder-se o direito de mudar de idéia.
Porque, se a gente consumir toda a nossa energia em pôr a porta abaixo, o que é que vai fazer quando entrar lá?
Cantar com Emmylou Harris: “Se o paraíso existe, parece com isso?”
As pessoas não sabem que a música pode afetar o nosso sentido do olfato, mas pode.
Todas as canções são motivadas por vingança ou culpa.
Eu falei isso? Eu devia estar entupido de Pernod.
Para compor canções, há uns cinco assuntos: Eu deixei você; Você me deixou; Eu quero você; Você não me quer; Acredito em alguma coisa. Cinco temas e doze notas. Mesmo assim, nós músicos até que nos saímos muito bem.
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[texto em: Piauí. Ano 1, julho de 2007, n. 10, p. 61]
[cf. em: www.revistapiaui.com.br]

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