sexta-feira, 27 de maio de 2011

Eu atravessei João Pessoa a pé



Eu atravessei João Pessoa a pé; é, eu atravessei
& fui andando assim, sem reparar as suas ladeiras
& as acácias, & os ipês amarelos não me detiveram
& fui uma faca cega cortando o seu estômago; fui
como um drogado que é empurrado escada abaixo
senti a fedentina entre a Rodoviária & a Integração
& vi o sangue coagulado na calçada do Esplanada
o sangue anônimo – outro entre tantos outros –; sim
& não lembro de nenhum telejornal ter anunciado
nem o Anacleto, nem o Samuca, outros excessivos
& eu vi os bêbados falando merda para... Ninguém
& eram tão felizes!, fantasmas perdidos na escuridão
& qualquer fela da puta que olhe para mim, qualquer
& ouse dizer que eu não te conheço, João Pessoa
não sabe mesmo, porra nenhuma, o que eu faço...
não sabe mesmo, porra nenhuma, & melhor assim

João Pessoa, eu te conheço bem; conheço
Eu te conheço bem, querida; conheço. Eu sei
& dei atenção aos teus invisíveis tão marginais
tão mais marginais quanto eu mesmo não pude ser
não pude & nem quero, porque a Sorte é como é
& a roda da fortuna não escolhe ninguém; não
& por isso sei me dar por contente de ser mais um
um que é violento por puro acaso & ocasião
na violência de sossego lounge & da bossa-nova
que a Ocasião, puta, fez o ladrão & também a mim
este ser coisado, jogado ao Mundo, outro Da-sein
que bebe para esquecer, & fuma para lembrar
que morre sempre que a noite acaba & o dia vem
que a Razão é tripalium, & a sua hora também
...
Mas não quero, mesmo, uma filosofia da ocasião
mato o ladrão que rouba a alegria & a letra do Chico
chamo o ladrão, chamo o ladrão para a paz imposta
(que a alegria, fora de propósito, é desventura; é
que a felicidade, fora da cidade, é solidão; sim)
eu vi a propaganda de perfume francês no televisor
& me vi a mim frente ao espelho & tive pena
& como são patéticos todos esses que sentem isto
& é tão vexante que é bem melhor colocar um disco:
… hugging and a-kissing, oh what we’ve been missing
... é Billie Holliday, encantada, cantando para mim
(mas um homem bom, oh, não!, não quer um só amor:
como o Cristo, que tinha tantas & tantos seguidores
como o Buda, iluminado, cercado por seus discípulos
ou como Confúcio, de cidade em cidade, & os seus...)
...
Eu atravessei João Pessoa a pé; é, eu atravessei
& fui andando assim, sem reparar as suas ladeiras
& as acácias, & os ipês amarelos não me detiveram...
... & se eu fosse sábio, eu saberia: ninguém vai tão longe
pois o corpo não suporta tantas viagens interestelares
tantos saltos quânticos para dimensões nunca exploradas
como um fósforo que é aceso e, depois da luz, o carvão...
... não foram os dinossauros que sobreviveram ao fogo
mas as baratas, os ratos, os macacos &... os homens
... & as mulheres; & você, meu doce & dolorido amor
yes, someday we’ll meet, and you’ll dry all my tears
and whisper sweet, little things in my ear…


Um comentário:

Anônimo disse...

me apaixonei pela pessoa de João depois deste relato.

eu quero um blues.