segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

ALEGRIA! ALEGRIA!




Felicidade, não; mas a alegria, sim, pode-se comprar
em garrafas de variadas cores & sabores & valores
de R$ 1,50 a R$ 480,00, como a de Blue Label no Carrefour
& outros exemplos que não vêm ao caso na poesia

Em 1973, esta cidade não era assim...
Hoje, não; o dia termina & a menina sai por aí
& vai ao Orlando’s, & vai ao Elvis, ao Bebe Blues
& fica chapada: cerveja barata & Hollywood
& tem o Centro Histórico & a Rua da Areia...
& mais umas coisas que lhe incendeiam
& volta para casa carregada pelos amigos
dizendo que “a noite foi incrivelmente incrível...”
embora não lembre o que veio depois do trago de licor
repetindo a farra em noites sem fim com seu louco amor

Felicidade, não; mas há alegria em enganar a morte
sambando com a sorte, driblando o tédio & a rotina
que a vida é um palco escuro, frio & feio após a cortina...
Um dia perguntam, & em tal pergunta medem-lhe a fé:
“Há vida após a morte, Artista, como é que é?”
E ele responde, sem pestanejar: “Sim, amigo, há!
Que quando eu me for, toda esta Vida, inda viverá”
Um dia o Ator partirá bem cedo, cumprindo sua sina
as ruas do Varadouro estarão desertas, sujas de urina
& nem mesmo os bêbados sujos & fodidos lhe notarão
um cigarro, um trago, um troco... não pedirão
As tragédias coletivas se encontram pela Lagoa
& seguem rumo à estação: a Rodoviária de João Pessoa
onde um desenho do Shiko já é coberto pela fuligem
– uma meta-história rumo ao pueril, rumo à vertigem
& o Sanhauá se insinuando como não se viu
& a madrugada dança alucinada no meio-fio
Seu blusão de couro, seu boné, sua manta cinzenta
o delírio parisiense nalgum inverno que o Ator inventa
Daí o Artista, louco & febril, abre sua mochila
arranca um livro com os poemas de Walt Whitman
& dedica gestos, maquiagem & declamação
à polonesa mártir, ícone máximo da revolução
No meio do livro há um papel cheio de rabiscos:

“Rosa de Luxemburgo”, ele canta, & o faz aos gritos
“A ti, minha Rosa, presa em Berlim
a ti, minha Rosa, editora do Arbeiterzeitung
a ti, minha Rosa, na Prisão Moabita
a ti, linda Rosa, a mais bonita!
a ti, minha Rosa, morta 1919
sob o pretexto de uma fuga que nunca houve
teu corpo jogado em um canal, em putrefação
achada tão murcha, a mais linda flor da contravenção.”

& o Ator pega um ônibus rumo à Mangabeira
& é Pedro Segundo, é curva longa & é ladeira
& desce no shopping & faz a pé o resto do caminho
& vê-se cansado, & está amargo & está sozinho
As ruas se enchem, bem devagar, gente a correr
ele levanta o rosto, respira o ar sujo & quer morrer
vê que já não pode, não pode não, & ouve de alguém
que “só se vive uma vez, & só se morre uma vez também”
...
Essa dor é a paga, & o castigo bem merecido
por ter acreditado, por ter amado, por ter vivido...

A alegria mora numa canção feita por Caetano
& a tristeza é senhora, desde que o samba é samba
& se, felicidade, não se compra; a alegria, sim
com licores, amores, com arte & outras medicinas
como na canção, onde o Caetano também ensina
“Cantando eu mando a tristeza embora...” Ora
vai-se a canção & seu efeito já não demora
o que fica entre o trágico & o cômico, é o hiato
o hiato obsequioso da expectativa do “& agora?”
& o Ator, morto, sabe... & por isso mesmo lamenta
& chora tão bem que até parece que representa
& o povo chora, tão comovido, & o povo rir, de tanto feliz
& o povo chora de tanto rir, & aponta o dedo, & diz:
“Vede! Vede como ele interpreta bem! Vinde ver!
Ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha ha he...”
Ah, como sabe o Ator, & o sabe tãooo bem
que tal elogio, por toda uma vida, é qual desdém

“Eu quero um circo em meu quintal... & um quintal”

ele dizia ao pai, & diz à sua mãe, de nariz choroso
mas só veria o circo aos 25, tão desgostoso
Que o mundo é tristeza & desolação, nunca duvidou
Mas, que fosse tanto, nunca pensou que acreditaria...

Felicidade, não; mas a alegria, sim, pode-se comprar
& há uma garrafa para cada gosto, cada paladar
de R$ 1,50 a R$ 480,00, como a de Blue Label no Carrefour
& outros exemplos que não vêm ao caso na poesia


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