segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

PARA QUANDO GÉSSICA MORRER...




O poeta vai chegar ao seu túmulo
– se algum houver –
& vai tirar um poema do bolso
porque a memória é fogo
& vai desamassá-lo com mãos trêmulas & suadas
& lerá assim, olhar dividido entre o papel & o chão:

Ela procurou uma palavra para “amor”
que não estava em dicionários
& uma bebida quente
que incendiasse os armários...

& fez fotos de alguns sorrisos que, sem graça
viram os dias chegarem, bêbados, na Praça
& eu vi Géssica sozinha, na solidão
vendo o povo que festejava, na televisão
& quando escrevia coisas – ela me disse
era a dor que expurgava, que andava triste
& eu gritei seu nome, da janela do meu prédio
chamando-a para beber, seu santo & fatal remédio
remédio que cura & mata, como se vê...

[o Poeta entende a mão, apontando a cova]

& ele matou, matou, garota; matou você

& o Poeta não ouvirá nenhum aplauso
porque será um dia assim, como hoje
de chuva & de frio & de gravidade...
& todas as árvores do cemitério
– se algum houver –
parecerão mais verdes & gentis
aninhando Curiós & Anuns Brancas
& alguém, escondido, bem longe
vai lembrar dos “good times for a change”
sim, cantando trechos confusos de
“Please, please, please let me get what I want”
& ninguém verá a sua homenagem solitária:
“Eu não tenho um sonho há muito tempo
veja a vida que tenho tido...”

& Igor, & Sara, & Rodolfo, & Monaliza
& mais um monte de gente triste estará aí
& o Poeta só lembrará de “Bluebeard”
com Elizabeth Fraser, da Cocteau Twins
... uma referência tão comum, tão sofrida:
quem é a mulher certa para toda a vida?
viver é uma toxina que nos trai, assombrosamente
quem é o homem certo, para todo o sempre?

É, o amor é um sonho sem nome... é

& depois todos os bêbados & os loucos dirão:
Este é um dia incomum, & é preciso beber
por nós, miseráveis vivos, & por ela, viva em nós!
& sairão em um cortejo alegre ruma à Praça da Paz
à pista de skate & o anfiteatro do Lúcio Lins
& acenderão seus Hollywood vermelhos
suas velas sem parafina, de papel & de nicotina
& abrirão uma bendita garrafa de Balck Stone
& alguém reclamará, & quererá outra, de Carreteiro
& todos erguerão seus copos de plástico, brindando:
à Géssica, para que a terra lhe seja leve!...

& a vida que segue, segue... louca como ela
& dias & noites se sucederão, entorpecidos
até a hora em que nós, um a um, dormiremos
& enfim seremos, de uma vez por todas, esquecidos
Aleluia!



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