Solfejo de Eros – a poesia noturna de Anna Apolinário
“‘A poesia abre os olhos, cala a boca e estremece a alma.’ Para Patativa, com afeto. Anna, 29-10-2010.” É como está dedicado, a mim, o meu exemplar de Solfejo de Eros, da poeta Anna Amélia Apolinário.
Não lembro mais onde foi que conheci a Anna, mas já tem muito tempo. Fico em dúvida se foi no Centro Histórico ou numa noite dessas que a gente esteve conversando e bebendo lá pelo Busto de Tamandaré, na praia de Tambaú. O que não tenho dúvida é que os poemas dela, como ela, respiram os ares noturnos, o clima quente e embriagante de Eros – deus grego do amor. Exemplo disso é o trecho de um poema de Sylvia Plath, que ela cita na página 07, depois da dedicatória que faz a Esaú e Sophia, marido e filha:
Dentro de mim mora um grito.
De noite ele sai com suas garras, à caça
De algo para amar.
Temas noturnos, poesia noturno-erotizada. A palavra “noite” é recorrente – usada doze vezes em 39 poemas distintos – e, personificada, aparece quase sempre com “N” maiúsculo, em reverência da autora. Fora ela, direta, há as derivadas, consequentes: anoitecer, madrugada, noturno, notívagos, estrelas, lua, crepúsculo, vespertina, sonhar, aurora, etc. “Aurora”, aliás, é o titulo que ela dá ao poema em que lemos:
Olhos abrasadores
Incinerando um céu de safiras
O mar veste o fulgor da lua
Rosa iridescente na areia adormecida
Vênus avança feito Ondina
Arrastando estrelas em seu vestido vaporoso
Madrepérola em carruagem de neblina
Dança de corpos enamorados no declive
Uma pequena mácula de vinho
Maná para os famintos notívagos.
A noite é anfitriã da poesia, dos poetas insones e embriagados. E a embriaguez pode ser com vinho, com vodka, ou com a poesia mesmo, ou com tudo isso junto. Lembro-me que, comum das vezes em que estive com a Anna e com os nossos amigos em comum, a vodka e o vinho sempre estavam presentes, e as poesias. A poesia de Anna tem a cara do sono entorpecido de Dionísio, e descrevem cenas oníricas como as pinturas de Dalí, que ela cita no poema “Palavra de Pandora”. Assim, em “Rosa na redoma”: “A Noite queima em minhas veias / Enquanto encho essa taça...”, e em “Ascensão”, a primeira frase acusa que “A Noite encheu todo meu cálice...” E ele permanece cheio pelos demais poemas, como em “Sylvia queima”: “Vênus da alcova, Sílfide messalina / Viciada em adesivos de nicotina / Insone & neurastênica, dopada e deprimida / Permita-me lamber sua iconoclastia...” Surrealismo e embriaguez. Anna é uma menina beat erotizada:
Às cinco horas de uma tarde nua e aprazível,
Nas veredas do ponto de cem réis,
Cá estou a bebericar de meu café cortês.
A garçonete me aparece em andrajos de sereia,
Sibila-me o verso ó peixe onírico!
Nobre gota de céu marejou meu olho infante:
É Mozart no passeio público,
Interrompe seu tropel místico,
E vem ter comigo.
Ai de mim que não sou poeta!
Acendeu minha cigarrilha
E me trouxe um Blues muito lascivo.
Trata-se do poema “Estudo para um Delírio (Mozarteando)”. Somente quando a série de poemas encabeçados por “HEDONÊ” – assim mesmo em maiúsculo, que é para marcar a mudança no andamento, como um refrão numa balada – aparecem, é que o tom poético se torna menos cálido, e mais cândido, como nos maternais “Soneto para Sophia”, “O verso mais bonito” e “Flamenca”, todos dedicados ou referentes à Sophia, menina linda, filha da Anna e do meu querido amigo Esaú. Mas mesmo nesta nova série, Eros está presente, sendo ele o responsável pela semente que traz à luz, inclusive, a Sophia (Sabedoria, em grego): “Dá-me o delírio de unir-me a ti / Um Deus! / Dentro de mim” (“Soneto do amor metalírico”), ou no “Carnaval anarcoerótico”:
Me deixa ser o teu pecado
A flor de teu desejo cálido
Num jardim de prazeres plácidos
[...]
Me traz um samba com versos embriagados
Não repara no meu querer desafinado
Pierrot libertinando lirismo
Para os lábios da Colombina, um colapso.
A fala sóbria e formal, “deixa-me”, “traz-me”, que Anna entende muito bem, é substituída pela informal e ébria, apelante: “me deixa”, “me traz”. Tudo fica assim, perto da realidade mesmo da vida noturna, e da intimidade que a penumbra e o álcool trazem. É um delírio; um belo delírio.
A poeta que, em “Estudo para um Delírio (Mozarteando)”, diz: “Ai de mim que não sou poeta!”, termina o livro com o poeminha de quatro frase, cujas três primeiras dizem: “Escrever é insensatez / Poesia não cabe em versos / Páginas de amor são tolices...” E elas me lembraram Fernando Pessoa, no poema “Todas as cartas de amor são ridículas”, em que, lá pelo meio, podemos ler: “Mas, afinal, / Só as criaturas que nunca escreveram / Cartas de amor / É que são / Ridículas.” O mesmo vale para quem nunca escreveu um poema: ridículos; e vale ainda para quem não lê poesias, mais ridículo ainda. E preciso dizer, por fim, que Anna mente, e mente muito mal. Basta ver/ler Solfejo de Eros para não ter nenhuma dúvida de que ela é, sim, poeta; e das mais excelentes!
Livro: Solfejo de Eros (1ª edição, julho de 2010)
Autora: Anna Amélia Apolinário
Editora: Câmara Brasileira de Jovens Escritores – Rio de Janeiro
Valor: R$ 15,00
Contatos:
anna_apolinario@hotmail.com
www.rosanaredoma.blogspot.com/
O livro pode ser adquirido com a autora ou no Sebo Cultural
Av. Tabajaras, 848 – centro de João Pessoa-PB
Fone: (83) 3241.1423 – 3222.4438
www.osebocultural.com | sebocultural@osebocultural.com.br
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