A VERDADE
“A verdade é um céu aberto. Narciso é um boboca. Ícaro levanta vôo.” (André Comte-Sponville, Tratado do desespero e da beatitude).
A verdade é uma garota dançando bêbeda, & deslizando sobre patins
Fazendo curvas sobre as pirâmides de vidro no Ponto de Cem Réis
& caindo sentada no colo de Livardo Alves, a quem chama de meu amor
A verdade é uma garota suada enxugando o rosto com a regata
Deixando o umbigo à mostra, & o seu piercing provocativo
Hipnotizada pela Lua clara que prateia a praça & ilumina a rua
A verdade pôs-se a galope em um vento litoral rumo a Epitácio
& chegou cansada no discurso do pregador de certezas certas
& escondeu-se na valise de latão que o poeta Caixa D’Água tem
& aí guardou-se – qual certidão de nascimento da felicidade
& como o olho que nunca cansa, do velho Barão do Rio Branco
Estatuado na praça que tem seu nome, onde os pássaros
Sem etiquetas & formalidades, cagam-lhe as ventas & os títulos
Fazendo troça nos seus cabelos & no seu terno de 1000 vinténs
A verdade pertence a todos, & não pertence a mais ninguém
A verdade mora em garrafas que, esvaziadas
São vomitadas por homens bêbados & vagabundos
Muito mais certos & piedosos do que o bispo diocesano
Que fala merda & se esconde atrás da saia do Deus cristão
O Deus bondoso que manda Adão para a puta que lhe pariu
& deixa Eva tomar no rabo, para aprender a fechar as pernas
& ama David com amor eterno, esse escroto filho da puta
Que não bastou-se em foder gostoso com a mulher do seu servo, Urias
Mas lhe envia como presente pro Esquecimento, na guerra santa
Que quem pode manda, e obedece é quem tem juízo...
E obedece é quem tem juízo?
A verdade pinta os cabelos como uma menina
& veste jeans, & calça coturnos & enche a cara de maquiagem
Para esconder aquelas olheiras bem merecidas
Quando, acordada, viu o sol surgindo furtivamente
Por trás do “S” que tem uma curva do Sanhauá
Ahhhhhhhhhhhhhh! Que amasso foda não foi aquele!
Às escondidas, adoecida de um louco amor
Crente que o ontem já não existe; & o amanhã não se saberá
& um hoje certo, como a certeza, não volta nunca
& agora é o tudo, & é preciso que seja assim
A verdade é um filme de Almodovar em um roteiro de Pasolini
É um cigarro pela metade, & a paciência chegando ao fim
É um poema de Allen Ginsberg, & é uma torta de gergilim
A verdade é um labirinto, & um desejo dos mais sagrados
É a trincheira do militante, das ilusões & das utopias
É garantia que não garante & sonha futuros, melhores dias
A verdade tomou assento entre platônicos & aristotélicos
& acorrentou-se aos ceticismos absolutistas
Bradou que omnis determinatio est negatio tamen
Negou Narciso, preferiu Ícaro, desesperou-se & foi... feliz
(P.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário