quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Chico César, Jaguaribe Carne, Baixinho do Pandeiro e Madalena Moog, em uma jam no Espaço Mundo, 17/09/2010. Momento histórico para a banda.



O paraibano de Catolé do Rocha, o cantor e compositor Chico César, acaba de ser anunciado (via Twitter) como Primeiro Secretário de Estado da Cultura, pelo então governador eleito, Ricardo Coutinho. Para quem os conhece (Ricardo Coutinho e Chico César), isso representa um grande passo para a arte e a cultura do nosso Estado. Veja um pouco mais sobre o nosso Secretário, por ele mesmo.

Chico César, por ele mesmo


De onde venho há silêncio. Pra preencher esse tipo de abismo os homens abóiam e as mulheres cantam benditos. Às vezes é o contrário, por artes de diversão os adultos também atracam-se em noites de forró ou podem passar horas em torno de dois violeiros a fazer repentes e as crianças brincam de roda, caí-no-poço, anel, mas também pode ser tudo misturado, gente grande e pequena sem diferença, e todos vêem televisão: jogo de bola, novela, programa de calouro e ouvem rádio, em alto volume.

Havia mais silêncio quando minha mãe, dona Etelvina, me deu à luz. Era 26 de janeiro de 1964, aí pelas cinco e meia da tarde. Aquário ascendente gêmeos. Para quebrar o silêncio, os trovões de uma tempestade janeira. Dizem que eu respirava com dificuldade, chorava com facilidade. Herdei o primeiro nome do meu pai e do santo com que minha mãe se pegava em tudo e por tudo: Francisco. Meu único irmão homem cismou que seria bom eu ter um nome de rei. Daí o César. Minhas cinco irmãs não foram consultadas e eu fiquei sendo Francisco César Filho até os sete ou oito anos, depois, Francisco César Gonçalves no rancho do povo, numa casa de beira de estrada sem asfalto, há quatro quilômetros de Catolé do Rocha, era onde vivíamos, aí tive minha infância de caçula.

A televisão só chegaria em Catolé do Rocha na copa de 70 para que os sertanejos paraibanos se aboletassem na praça boquiabertos como o resto do mundo vendo Pelé, Gérson, Tostão, Jairzinho, Rivelino. Um ano antes conheci o gelo, numa festa para comemorar a saída de meu irmão da cadeia, ele havia sido preso com outros estudantes por subversão.

Cedo fui pra escola já sabendo soletrar e até ler um pouco. Uma escola rural com o aperto de mão da aliança para o progresso na parede. Depois o rigor do colégio das freiras franciscanas alemãs, onde minha tia maria lavava roupa e conseguiu uma bolsa de estudos pra mim e algumas das minhas irmãs, pelo meio, um pouco no colégio dos padres capuchinhos, mais colégio das freiras, colégio estadual, terceiro científico no Colégio Tambiá de João Pessoa e por fim o curso de comunicação na Universidade Federal da Paraíba.

Menino ainda, com oito anos de idade, fui trabalhar no Lunik, loja de discos, de livros e também um foto. Por essa época as freiras bombardearam Catolé com flautas doces. Por todos os lugares, debaixo dos pés de algaroba, das Cajaraneiras e mangueiras, nas praças e nos campinhos de futebol tinha um menino ou menina, pobre ou remediado, fazendo "tuts", eu era um deles, e a música instalava-se irremediavelmente em mim.

Primeiro vieram as "bandas cover", a partir dos dez anos, como Super Som Mirim e The Snakes, com instrumentos inventados por mim e meus amigos. Depois, aos 14 anos, o grupo Ferradura. com canções próprias, desbravamos festivais em Sousa, Cajazeiras, Patos, Pombal (todas na Paraíba). Aos 16 anos, ao mudar para João Pessoa conheci os irmãos Paulo Ró e Pedro Osmar, eles formavam o grupo Jaguaribe Carne, voltado para experimentação de linguagens, e me adotaram, mostraram-me música aleatória, poesia concreta, cinema novo, Mao Tsé Tung, poesia pornô, música do mundo, dodecafonismo, pra quem vinha do sertão mal conhecendo João Cabral, era uma farra. O grupo existe até hoje e é uma referência muito forte na minha vida.

Em fins de 1984 deixei João Pessoa com destino a São Paulo. Antes passei por Ouro Preto (MG), Barra Mansa (RJ) e um pouquinho no Rio de Janeiro. Em maio de 85 cá estava eu, em Sampa. Nordestino demais para tocar nos espaços modernetes da cidade e com uma música muito esquisita para tocar nas casas de forró. Continuei a trabalhar como jornalista, fui revisor, copidesque, repórter e preparador de textos. Fazia pequenos shows em bares e teatros alternativos.

Numa viagem para a Alemanha, a convite da Sociedade Cultural Brasil-Alemanha para fazer algumas apresentações, quase fico por lá. Mas voltei, decidido a me dedicar enfim só a música. Participei de alguns festivais, montei a Câmara dos Camaradas que depois virou Cuscuz Clã. Em 1994 gravei o Aos vivos aconselhado e co-produzido pelo engenheiro de som Egídio Conde, o disco só veio sair um ano depois pela gravadora Velas. A extinta Rádio Musical começou a tocar "À primeira vista", comecei a lotar de estudantes o Bambu Brasil, também extinto. Vieram os outros discos, a gravação de músicas minhas por diversas intérpretes importantes, as turnês pelo Brasil, no Japão e na Europa.

E um pouco do resto da história estamos contando juntos. Eu e você. Agora.

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