terça-feira, 19 de outubro de 2010

Tinhorão: Contundente Crítico de Música


José Ramos Tinhorão é um crítico musical que não tem medo de defender os seus pontos de vista. Muitas dessas verdades o exilaram dentro do seu próprio país. Esse é o personagem certo para tempos errados.

O sobrenome Tinhorão traz no seu bojo a idéia de um proscrito. As pessoas comentavam que você era um crítico radical...

Essa é a minha bronca. Pesquise o meu nome no google e você terá 19 mil entradas. 99% dizem a mesma coisa: que sou “polêmico.” Carrego esse karma desde uma coluna que escrevi no Jornal do Brasil entre 1975 e janeiro de 1981, chamada “Crítica de Música Pop”, o que convenhamos não existe... Recebia os discos, como se faz com os livros e os comentava. Era um período muito efervescente, os festivais ainda repercutiam, assim como a Bossa-Nova, o Tropicalismo. Mas eu tinha opiniões sócio-culturais. Vejo o fato cultural não como um estado de imponderabilidade. As coisas se explicam em um processo histórico que se chocava com as crenças e fantasias da classe média, que tinha suas míticas e os seus heróis. Quem falasse levava pau. As pessoas me odiavam mas o pior era que ignoravam os meus livros. Eu disse que Tom Jobim não era um criador, mas umcopiador dos temas melódicos dos outros. Disse que Bossa Nova era Rock Jazz, requentada no Brasil.

O seu caso me lembra o do Glauber Rocha, que retornou do exílio nos anos 70 elogiando o Golbery (General, Chefe da Casa Civil do Governo Geisel e uma das cabeças do Golpe de 1964). Automaticamente, o gênio do cinema ganhou a antipatia generalizada da classe artística e passou a ser exilado em seu próprio país...

(ri) Em primeiro lugar, Glauber ainda teve uma coisa a seu favor: o chamavam de maluco. A gente perdoa os loucos...

Então você não se considera maluco.

Por isso me perseguiram. Um dos meus alvos, a Bossa Nova nasceu em um apartamento em Ipanema durante reuniões para se ouvir João Gilberto. Eles mesmo intitulavam o estilo de “samba-jazz”, não eu. Naquela época o compasso de 2/4 era considerado “quadrado”, o depreciaram como sendo o mais comum da música popular brasileira. O que o João fez foi incluir o contra-baixo do jazz no mesmo compasso. Esse é o baixo do João: o baixo do jazz! Ele não revolucionou nada. Todas as harmonias do João ainda cabiam dentro do 2/4! Johnny Alf já fazia o mesmo no piano, mas ainda era considerado “música americana”. João apenas dava a impressão de ser mais brasileiro! A Bossa Nova só surge mesmo do casamento dos jovens interessados em jazz, quando eles começaram a construir suas músicas em cima do João.

Qual é o ritmo tipicamente brasileiro?

É o 2/4. João criou um jogo de contratempos, retardos e avanços, mas com o metrônomo dá 2/4 certinho.

Pixinguinha era música brasileira?

Sim, mas quando ele fazia arranjos para orquestra, não. Eram as famosas “tentações da música americana”.

Como você se sente após ter escrito mais de 20 livros e aparentemente não os levarem a sério...

O pessoal passou a me ignorar por causa das minhas opiniões. Quem lê meus livros, lê para roubar. Citam o Mário de Andrade, mas o Tinhorão não pode! Eu conheço os dados que coletei em pesquisas, por isso sei quando me roubam, sem dar o crédito. Por exemplo, os dados básicos do livro do Roberto Moura sobre a Cidade Nova no Rio de Janeiro, o local da Pequena África, perto da Central onde tinha muitos escravos foram extraídos da minha coluna do JB. Para escrever “Música Popular, Um Tema” pesquisei no Arquivo Nacional no fundo da Praça da República no Rio. Vi pela primeira vez o censo de 1870/1872 onde havia a distribuição da população por bairro. Esses dados obedeciam à divisão administrativa das Igrejas, as chamadas Freguesias. No levantamento ainda aparecia os maiores de 90 anos. Durante a pesquisa fiz o mapa à mão, pois nem havia xerox.

Por que esse “furto” acontece?

O pessoal é sacana. Apesar dos meus livros serem bem fundamentados, preferem me esquecer. Os acadêmicos então nem se fala... Preferem me ver apenas como o crítico que esculhambava, mas não consideram meus 22 livros. Você recebeu “O Rasga” que fala sobre um ritmo que foi exibido em teatros portugueses no século XIX. O ritmo do Rasga era percutido em um reco-reco, originalmente criado por negros. E português não gosta de assumir que levaram negros para lá. Veja bem, o fado nasceu de uma dança e essa dança nasceu no Brasil! O fado que a Amália Rodrigues, a Elis Regina deles, cantava já era uma expressão moderna. Quando o estilo vai sofrendo uma elevação social, a parte cantada evolui em detrimento da parte negra, o ritmo. No século XVIII / XIX o fado foi levado do Brasil para Portugal. E esse estilo foi criado por gente barra pesada. Tinha roda de pernada, onde se dava rasteira para derrubar. O pessoal cantava dois versos de um estribilho, mas o negócio mesmo era ficar esperando pela pernada! Eu fiz um livro inteiro, embora Portugal não queira assumir que levaram negros para lá.

Como você vê a música em um mundo dito globalizado? Existe rock brasileiro?

O processo precisa ser repensado – rock é uma música de sua geração, mas não foi o único estilo internacional a ser abrasileirado.Com o Bolero ocorreu o mesmo. Americano não ouve e nem é influenciado por música brasileira. Quando não há recíproca é porque existe algo de errado! A música nacional é copiada dos estrangeiros, o cinema brasileiro é imitado dos americanos. Dizem que sou xenófobo, mas ninguém é mais xenófobo do que americano! Se a globalização resultou da ação do homem, a desglobalização pode resultar da ação do homem, já dizia o velho Marx!

Estava assistindo em um centro cultural em São Paulo, a um Congo paraibano. Depois veio uma apresentação de dança de salão. Os presentes me pareceram naturalmente felizes. Do outro lado da rua, um amigo estava tocando rock para uma platéia de punks que se agrediam e que em contrapartida, não pareciam nada felizes... Qual é a função da música popular e da arte? Nos deixar felizes, apesar do estilo musical?

O modo de produção capitalista organizou de tal forma a ideologia da massa, que eles conseguiram transferir o sentido de ser feliz através do hedonismo, ao fato de você possuir coisas. Te obrigam a ser moderno. Só o moderno é feliz. Se você gosta de rock, rap, funk você se sente parte de algo atual. É o que a Indústria te oferece. O moderno no fundo é uma produção capitalista! Por acaso, como você mesmo citou, o Congo em São Paulo é quase como uma curiosidade. Em uma sociedade urbana se você fizer um urso dançar, todo mundo pára para aplaudir. Mas o público vê o urso, acha engraçado, coloca uma moeda e vai para casa ouvir rock. O Congo é o urso dançando!

Quem fala muita verdade incomoda. É o chato, o desmancha-prazeres. A massa prefere permanecer na obscuridade do óbvio.

Ninguém gosta de ter que repensar. Dá trabalho repensar, você já está acostumado. Quando você gosta de Paulo Coelho, de que adianta alguém ficar no teu ouvido dizendo que ele é uma merda, que escreve mal? Se esse leitor for na tua, vai achar as suas indicações chatíssimas e não vai entender nada. E você sabe por quê? Porque o nível cultural dele só permite gostar do Coelho. Você vai obrigar um cara de periferia a assistir ópera e sabe o que vai acontecer? Ele vai lá com um canivete para rasgar o assento. É uma distração, a mesma coisa que ele faz com o orelhão, faz com o assento. O que custa? Tá chato mesmo, ele não queria estar lá! Culpe sim, quem submeteu o cara àquele estágio cultural. A um ser esvaziado de conteúdo humano, oferecem um ser esvaziado de conteúdo artístico!

E como fica o artista hoje que ainda acredita na arte?

A canção acabou. Prestar atenção a uma pessoa em um palco, entender o sentido da letra, se ela diz algo, isso não existe mais. É como o urso dançando! O espetáculo não é mais individual, é de massa. Antigamente não se podia cantar em um estádio porque não havia tecnologia para isso, distorcia o som etc. O que aconteceu é que a transmissão do som evoluiu tanto que permitiu a transferência do musical para o coletivo. O coletivo não presta atenção. Por exemplo, o show dos Rolling Stones é uma totalidade. Precisa ter som e preparo físico para aquilo. Aquelas passadeiras que levam os caras para perto do público, essa estranha comunhão, dar uma mãozinha para um desconhecido... O pessoal faz aeróbica, os braços se levantando. O dedo ainda toca guitarra, mas o tratamento do som, isso só vai progredir. Daqui a pouco nem vai precisar mais do cara tocando! O destino do artista e do compositor é desaparecer!

Você deve ter ficado satisfeito (tanto financeiramente como ideologicamente) quando o Instituto Moreira Salles comprou o seu acervo e o disponibilizou para o público na internet. Além do fato, de convidarem para ser o curador.

Isso aconteceu comigo e com o arquivo do Humberto Francesco no Rio. Você sabe como é, a gente investe a maior grana, aí o material começa a crescer, toma a sala, o quarto da empregada, o banheiro e você não consegue mais administrar. Contrataram um cara para digitalizar os 35 mil fonogramas do meu arquivo. Tem de tudo, 76, 78 rotações...

Por Carlos Lopes www.omartelo.com

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Igor Matheus diz:


Tinhorão é um cocô. É o erudito que até hoje não sabe transformar sua erudição em algo que preste. É uma viúva da Guerra Fria, pra quem música americana não passa de artefato político e lixo a ser evitado.

Pelo menos essa doidice fez dele um estudioso interessante - 'Os Sons que vêm da Rua', por exemplo, tem um texto primoroso e não traz muito dessa verborragia marxista que ele sempre vomita.

E olhe que tenho simpatia por qualquer um que baixe um pouco a bola da Bossa Nova. Mas interessante mesmo é o boquete público do repórter no momento 'quem fala a verdade incomoda'. Tá.

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Patativa Moog diz a Igor Matheus:


Humm...

O livro "História social da música brasileira" (Ed. 34, 367 p.), do Tinhorão, é uma das coisas mais lúcidas que li sobre a origem popular da nossa musicalidade. Dizer que Tinhorão é "um cocô", "uma viúva da Guerra Fria" é, no mínimo, uma falta de respeito. Se você olha para obras como "Pequena história da música popular brasileira: da modinha à canção de protesto" (Vozes, 1974), "Música popular: os sons que vêm da rua" (1976, do autor), "Os sons negros no Brasil. Cantos, danças, folguedos: origens" (Art Editora, 1988), "O samba agora vai... A farsa da música no exterior" (JCM Editores, 1969) ou, e não por fim, "As origens da canção urbana" (Editorial Caminho, 1977)... só pra citar o que li ou tive bons contatos, você concorda que o cara é, no mínimo, genial... e um pesquisador muito, mas muito bom mesmo.
Por outro lado, é preciso ser bem tapado, mas muito tapado mesmo para não entender que, desde cedo, os americanos fizeram com sua música (que, parte dela, tem uma beleza e uma origem completamente lindas... como o folk, o blues, o jazz, etc) o que a Igreja Católica fez com São Francisco de Assis, absorvendo-o e usando de modo colonial, colonizador, moralizante, etc. Sim, meus bichinhos, os EUA usam a música de modo disseminador do chamado american way stily life. Não é preciso ser PHD em História ou Economia para saber que, entre os americanos, a única filosofia que vingou foi a do Pragmatismo (Charles S. Peirce, William James)... "o sentido de tudo está na utilidade que esse tudo tem...", aquilo do "time is money"... e isso inclue não só o cinema, como a música... e principalmente ela.
Também não precisa ser gênio para sacar o que os americanos fizeram com Carmem Miranda (que virou meio de Mercado, para eles e para as boas relações político-comerciais com o BraZil) e com a nossa bossa-nova, que "absorveram". Eles mataram a Carmem (pela exaustão), e a nossa bossa, se você vê as letras e olha para os seus criadores (estudantes de classe-média ou ricos) e a época que que ela foi criada (regime militar), é alienada e alienante: de influência jazzista, não diz nada contra o poder estabelecido, mantém tudo no status quo, do jeito que o gringo gosta. Veja as letras da bossa, o que se fala é em "mar", "sorriso", "flor", "céu", "eu triste", "você triste"... essas coisas (leiam: "Eles e eu: memórias de Ronaldo Bôscoli", escrito por Luiz Carlos Maciel e Ângela Chaves, Ed. Nova Fonteira, 1994 - o meu exemplar está na edição nº 04). E, SIM, adoro bossa-nova, mas nem por isso tenho que fechar os olhos para essas coisas.
Tinhorão, um só entre milhares de críticos, sabe ver de onde a nossa música vem (de lá ou de cá), e procura, como uma formiga num formigueiro, valorizar aquela que mais se aproxima do povo simples, e procura evitar a música alienante (de propaganda) que nos é empurrada de cima, como sendo a coisa melhor do mundo. Veja que, nas TVs e rádios do Brasil (hoje, por causa da internet, isso se tornou menos formador de opinião, mas ainda é, e muito), quase não tocam aquela música mais "de raiz" americana: jazz, blues, folk, etc... mas mandam Mariah Carey, Justin Bieber e essas merdas que vocês conhecem muito bem... ou algumas bandas de rock, que eu também gosto (não vamos ser tão hipócritas, não é?). A música pode ser (e é) a porta de entrada para a língua, e a língua (já vi tese de doutorado sobre isso) é SIM instrumento colonizador.

Enfim... é só uma crítica ao e-mail anterior... porque Tinhorão merece, SIM, um respeito que, por haver tanta gente tapada, ainda não recebeu.
Deixemos de pensar como colonos... já podemos ser e querer ser mais que isso.

(Vou fazer revisão do texto não, senão me arrependo de enviar e deleto... vai assim mesmo... )

P.

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Igor Matheus diz a Patativa Moog:


Ô Moog, tapado não é quem fala mal do Tinhorão. Nem quem fala bem. Tapado é quem faz entrevista afirmando 'quem fala a verdade incomoda' ao invés de elaborar outra pergunta. Mas faça aquele esforcinho, bixo. Leia menos o Tinhorão crítico e releia o email anterior. Tá lá que o sujeito, como pesquisador, é sangue no olho. Não deve existir muita coisa melhor do que ele. Origem, raiz, começo, primitivismo, é com ele e com o Mário de Andrade. Mas uma coisa é se embrenhar na selva – ou nos arquivos nacionais -, descrever o que se tem lá. Outra é ler o valor, interpretar esse troço. E a interpretação dele é chula, patética, de uma politização ressentida, de um sovietismo medonho.

No fundo, ninguém ta nem aí se os Estados Unidos usaram sua cultura pra se perpetuar no universo. O Brasil faria o mesmo. E com razão. Desde que o mundo é mundo, desde que civilização é civilização, alguém manda nos símbolos e nos códigos. Ou pelo menos pensa que manda. No fim das contas, tudo se mistura e vira alguma coisa melhor ou pior. Temos bandas de Heavy Metal e até grupos de jazz melhores do que as que eles... ‘mandam pra cá’ (provavelmente catapultados de um porta-aviões, quem sabe). Assim como a música peruana e a cigana às vezes me soa mais complexa e elaborada do que alguns caetanismos daqui.

Os EUA nos ‘colonizam’ – ô verbinho sem vergonha – ou colonizavam – já que não tenho nenhum globalizômetro - porque podem. Mas há muitas nuances de obediência. O Brasil é complexo demais e culturalmente rico demais pra obedecer da forma que... ‘eles gostariam’(?). Ninguém pode dizer que ‘falam que sou xenófobo mas os EUA tambem o são’ e ser levado a sério ao mesmo tempo.

Tinhorão sempre teve muito a dizer sobre o que descobriu enterrado onde quer que seja. Mas como crítico é melhor falar em privado pra sua patota gagá vinda da última Comintern. Ou de Caracas.

i.m.

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Patativa Moog diz a Igor Matheus:


Ôoooo, Igor! Na boca não, meu nego! Hehehe...

Três coisas:

1)Você há de convir que, em uma entrevista, o entrevistado não é um literato em ação, com direito a apagar uma fala que, relendo, não gostou... é a coisa in fact mesmo, no calor da hora, do jeito que foi. Uma pessoa que lesse uma entrevista e, partindo dela – e não do corpus da produção do autor (o entrevistado, no caso), criticasse cegamente, estaria cometendo uma falha (e uma falácia lógica) já conhecida desde a Idade Média: “O espírito ignorante não deve emitir juízo.” E, em qualquer tribunal hermenêutico, isso seria derrubado. Assim, quando faço minhas considerações sobre Tinhorão, é com base em outras coisas que já li dele e sobre ele (e sobre a música brasileira que, além de amar, me meto a fazer), e sobre cultura brasileira e sociologia da arte e essas coisas todas – eu poderia dizer que dou aula de lógica clássica, de sociologia da religião (que mistura bem isso da arte e do popular) e de filosofia, mas isso poderia soar como um argumento de autoridade (argumentum ad baculam), e evito isso, e nem sou tão pedante... mesmo dizendo isso assim, de modo indireto. Não me faço juiz de minha própria causa.

2) Você fala de Mário de Andrade, e de suas pesquisas sobre as “raízes” de nossa música (brasileira), etc... Mas essa referência a ele, creio, é indevida para a questão – Tinhorão, no caso. Uma das formas do argumento indutivo (o mais fraco dos argumentos) é que se chama “por semelhança e analogia”; quer dizer: é uma espécie de raciocínio em que se passa de um caso particular (Tinhorão) para outro, que está fora do caso. Enfim... paro por aqui, já que ninguém está mesmo interessado em aula de lógica clássica. Masssssss... isso serve para dizer que, e considerando o que eu já havia falado no ponto 1, ninguém está apto a fazer qualquer crítica da obra de Tinhorão sem que o conheça, e conheça bem. E para conhecê-lo bem, é preciso ler o que ele escreve (não se resumindo à entrevista aí acima), e mais ainda: ler sem um senso crítico que já o condena (preconceito), deixando-o falar para, depois, julgar...

3) Você fala que “temos bandas de Heavy Metal e até grupos de jazz melhores do que as que eles...” Você só pode estar de brincadeira, não é? Não temos nem equipamento e nem técnicos como os gringos. Quando um artista de pe$o do Brasil quer fazer um trabalho que tenha um apelo comercial internacional, vai mixar e masterizar suas músicas lá fora – embora já não estejamos tão atrasados nisso, nessas melhorias de captação e tratamento de som. Mas, gostando ou não, esses fela da puta ainda são bem melhores que a gente, nisso e noutras coisas. Mesmo que o Ariano Suassuna (e sem o xenofobismo dele) diga que “não troca o seu oxente pelo ok de ninguém”, eles, sim, têm uma tecnologia que ainda estamos aquém. E, NÃO, eu não alimento essa porraloquice de que somos melhores ou piores que eles. Prefiro dizer e crer que somos diferentes, na música e em outras coisas que podem ser melhores ou piores, conforme cada caso. Ademais, e para não ir tão longe, não creio que o Tinhorão “parou no tempo”, n“uma politização ressentida, de um sovietismo medonho” de cunho marxiano anti-globalizante (ele não estúpido a esse ponto) ou sei lá o quê. O que ele faz é uma literatura de resistência, tipo guerrilha cultural: em favor dos nossos sons, nossa língua, nossa história, nosso país. O entreguismo ou o fatalismo seria o contrário disso, e é o que tanta gente faz – seguindo modelos e deixando os arquivos da História lacrados, mofando, sumindo: alienação (Ex.? MTV). Tem uma citação de Maurice Sachot no finalzinho do Prefácio de L’invention du Christ – genèse d’une religion (Paris: Éditions Odile Jacob, 1998, p. 12) que eu uso sempre: “Uma mesma história, vista de outro modo, torna-se uma nova história.” Se tivéssemos mais críticos como Tinhorão (ou Carlos Calado, ou Tárik de Souza, dentre outros grandes), que publicassem tanto e com tanta paixão quanto ele, é provável que tivéssemos cadeiras de Música Popular Brasileira nas escolas do ensino médio, etc.

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Por fim, e voltando para onde começamos, em outubro de 1993, o Fórum Universitário da Universidade Federal da Paraíba e o Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte realizaram o “Mês de Mário”, o que rendeu, além de estudos da sua obra, uma coletânea chamada “Mário de Andrade por Músicos da Paraíba” (gravada no Estúdio Tome Nota, em João Pessoa), interpretada por professores e alunos dos Departamentos de Artes e de Música do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPB. A obra teve apoio do referido estúdio e da Fundação Espaço Cultural do Estado da Paraíba. A obra de Mário, no quesito pesquisa (de música, fotografia e vídeo), diferentemente da grande obra de Tinhorão (escrita), é fragmentada e dada a muitas interpretações fantasiosas que podem ver um Brasil que não existe, como aquele Nordeste que foi inventado por Guimarães Rosa (Minas) e o já mencionado (noutro sentido) Ariano Suassuna (PB / PE) – para o tema da “invenção”, recomendo o livro do nem sempre tão querido Durval Muniz de Albuquerque Júnior (A invenção do Nordeste e outras artes. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2009, 376 p).

Enfim... e você há de concordar com isso – e não estou colocando a questão da estética (a beleza desta ou daquela obra), somente a do valor cultural e histórico –, trata-se de um tema... como diria o mestre Jesuíno, bizantino. E se respondo esse seu e-mail com esse, enorme, é porque vejo isso como, além de exercício reflexivo, contribuição para o diálogo sobre a arte, a nossa arte. Há uma arte nossa?

Abraço e, saravá!

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