JAGUARIBE CARNE:
ANTROPOFAGIA PARAIBANA
Em 1974, ano em que Paêbirú foi lançado, os irmãos/músicos paraibanos Pedro Osmar e Paulo Ró invadiam o cenário cultural de João Pessoa com o grupo-manifesto Jaguaribe Carne.
Para enfrentar a ditadura militar, na Paraíba, o Jaguaribe Carne armou-se para uma verdadeira guerrilha cultural. A munição que tinham: anti-música & anti-arte.
Criminosos. Assim eram tachados, em meados de 70, os grupos com esses preceitos: "estudo, difusão, prática, experimento e intercâmbio cultural". Hoje, clichê de qualquer grupo auto-intitulado como "transgressor".
A foto do post sugere um estatus fora-da-lei, deveras original, ao Jaguaribe. Enquanto bandas do mainstream ou da "cena independente", às pencas, se esgoelam para tentar mimetizar tremiliques e malvadeza (out) do rock estrangeiro - outro empilhamento vencido de simulacros, por seu turno.
O Jaguaribe Carne tem importância grande, seja na Paraíba como nas diversas cidadezinhas nordestinas nas quais sua proposta de arte desconstrutora conseguiu chegar. Pensar o interior do Brasil, iconoclasticamente, fora dos grandes centros urbanos - não dá pra negar: é proposta das mais verdadeiramente atraentes. As metrópoles, indica o conturbado tédio reinante, se esvaziaram de tudo. Se esvairam. Especialmente das temáticas.
Muitos músicos estagiaram no grupo paraibano, como Chico César, que se uniu ao Jaguaribe (ou ao Carne) recém-chegado à capital, João Pessoa. César vinha de Catolé do Rocha. O som do Jaguaribe: ciranda, coco, maracatu, caboclinho e boi - em suas raízes. E o mundo, por outro lado: música oriental, africana, vanguardas européias, modernismo brasileiro, jazz.
No intervalo das filmagens de "Nas Parede da Pedra Encantada" (nome do documentário dirigido por mim e pelo Leonardo Bomfim, na fase de pré-edição), conversei com o mentor do Carne, Pedro Osmar.
O irmão, Paulo Ró, fez uma participação "punk-violeira" no filme. As locações paraibanas são absurdas de lindas para um doc sobre um álbum de rock mitológico como Paêbirú. Algumas locações são decrépitas - e iluminadas pelo vibrante sol sertanejo: "A decrepitude bela da Paraíba".
O Jaguaribe Carne virou um documentário, Jaguaribe Carne: Alimento da Guerrilha Cultural. Produção da Gasolina Filmes, da dupla Fabia Fuzeti e Marcelo Garcia.
Na edição de setembro da Rolling Stone, uma reportagem especial contará os fabulosos mistérios sobre Paêbirú - O Caminho da Montanha do Sol. Aventuras vividas pelo repórter entre Pernambuco e Paraíba. Numa banca pertinho da sua casa. Existe uma?
Na sua opinião, Paêbirú ajudou a desenvolver o cenário paraibano? Já que o disco é 'interestadual', na realidade.
Pedro Osmar - Paêbiru é um caso à parte na discografia nordestina, fruto do "entretenimento experimental" de músicos pernambucanos e paraibanos em suas buscas pessoais por saídas na fusão do rock com a cultura popular (Chico Science nem era nascido ainda...).
Pena que eles não tenham seguido essa linha de experimentação nos anos 80 em diante! Mas geraram a vanguarda da música nordestina a partir de Alceu Valença com a música-manifesto "Vou danado pra catende" (apresentada no festival Abertura, da Rede Globo, em 1975).
Certamente que Alceu não estava sozinho. Com ele estavam Lula Cortes, Zé Ramalho, Ivinho, Israel Semente...E isso gerou um liquidificador bem nervoso que vem rolando coisas até os dias de hoje, tal a força dessa energia criadora.
Como andavam as coisas por aí, por volta de 1975, ano de lançamento de Paêbirú?
Pedro Osmar - João Pessoa vivia o auge da vivência teórica e prática do tropicalismo nordestino, por meio das ações polêmicas de Carlos Aranha e seu grupo, Jomard Muniz de Brito, Celso Marconi, Raul Córdula, Chico Pereira, Unhandeija Lisboa e também Zé Ramalho, Jarbas Mariz, Babi, Paulo Paiva, Paulo batera...
Enfim, a galera pensadora e dos conjuntos de bailes, botando pra quebrar. Isso criava um certo clima de efervescencia entre os compositores como eu, que estavam engantinhando na música.
Mas era um tempo de muito embate estético, dos confrontos da bossa nova, da canção de protesto, da música regional, da jovem guarda, nos festivais de música. Algo bem vigoroso para todos. Praticamente a maioria das grandes obras dos compositores paraibanos vieram desse período.
O Jaguaribe Carne está em qual contexto desta história? E que nome esse! Explica:
Pedro Osmar - O grupo Jaguaribe Carne de Estudos surge no meio dos festivais de música dos anos 70, especificamente em 1974, num festival estudantil promovido pelo gremio do Liceu Paraibano.
Os festivais é quem ditavam a moda naquele tempo, era para onde tudo convergia. O Jaguaribe Carne pôde fazer a diferença com suas experimentações, com sua "arte querendo ser diferente dos outros"...
E conseguimos manter essa identidade até hoje, chegando a ser um grupo de arte multimídia com produção ímpar. O nome do grupo tem a ver com nossas inquietações pelo novo, pelos estudos autodidatas das linguagens experimentais e pela coragem.
Coragem de ousar ser diferente, ocupando o lugar de destaque nas idéias que circularam e circulam, até hoje, na cultura paraibana.
Para enfrentar a ditadura militar, na Paraíba, o Jaguaribe Carne armou-se para uma verdadeira guerrilha cultural. A munição que tinham: anti-música & anti-arte.
Criminosos. Assim eram tachados, em meados de 70, os grupos com esses preceitos: "estudo, difusão, prática, experimento e intercâmbio cultural". Hoje, clichê de qualquer grupo auto-intitulado como "transgressor".
A foto do post sugere um estatus fora-da-lei, deveras original, ao Jaguaribe. Enquanto bandas do mainstream ou da "cena independente", às pencas, se esgoelam para tentar mimetizar tremiliques e malvadeza (out) do rock estrangeiro - outro empilhamento vencido de simulacros, por seu turno.
O Jaguaribe Carne tem importância grande, seja na Paraíba como nas diversas cidadezinhas nordestinas nas quais sua proposta de arte desconstrutora conseguiu chegar. Pensar o interior do Brasil, iconoclasticamente, fora dos grandes centros urbanos - não dá pra negar: é proposta das mais verdadeiramente atraentes. As metrópoles, indica o conturbado tédio reinante, se esvaziaram de tudo. Se esvairam. Especialmente das temáticas.
Muitos músicos estagiaram no grupo paraibano, como Chico César, que se uniu ao Jaguaribe (ou ao Carne) recém-chegado à capital, João Pessoa. César vinha de Catolé do Rocha. O som do Jaguaribe: ciranda, coco, maracatu, caboclinho e boi - em suas raízes. E o mundo, por outro lado: música oriental, africana, vanguardas européias, modernismo brasileiro, jazz.
No intervalo das filmagens de "Nas Parede da Pedra Encantada" (nome do documentário dirigido por mim e pelo Leonardo Bomfim, na fase de pré-edição), conversei com o mentor do Carne, Pedro Osmar.
O irmão, Paulo Ró, fez uma participação "punk-violeira" no filme. As locações paraibanas são absurdas de lindas para um doc sobre um álbum de rock mitológico como Paêbirú. Algumas locações são decrépitas - e iluminadas pelo vibrante sol sertanejo: "A decrepitude bela da Paraíba".
O Jaguaribe Carne virou um documentário, Jaguaribe Carne: Alimento da Guerrilha Cultural. Produção da Gasolina Filmes, da dupla Fabia Fuzeti e Marcelo Garcia.
Na edição de setembro da Rolling Stone, uma reportagem especial contará os fabulosos mistérios sobre Paêbirú - O Caminho da Montanha do Sol. Aventuras vividas pelo repórter entre Pernambuco e Paraíba. Numa banca pertinho da sua casa. Existe uma?
Na sua opinião, Paêbirú ajudou a desenvolver o cenário paraibano? Já que o disco é 'interestadual', na realidade.
Pedro Osmar - Paêbiru é um caso à parte na discografia nordestina, fruto do "entretenimento experimental" de músicos pernambucanos e paraibanos em suas buscas pessoais por saídas na fusão do rock com a cultura popular (Chico Science nem era nascido ainda...).
Pena que eles não tenham seguido essa linha de experimentação nos anos 80 em diante! Mas geraram a vanguarda da música nordestina a partir de Alceu Valença com a música-manifesto "Vou danado pra catende" (apresentada no festival Abertura, da Rede Globo, em 1975).
Certamente que Alceu não estava sozinho. Com ele estavam Lula Cortes, Zé Ramalho, Ivinho, Israel Semente...E isso gerou um liquidificador bem nervoso que vem rolando coisas até os dias de hoje, tal a força dessa energia criadora.
Como andavam as coisas por aí, por volta de 1975, ano de lançamento de Paêbirú?
Pedro Osmar - João Pessoa vivia o auge da vivência teórica e prática do tropicalismo nordestino, por meio das ações polêmicas de Carlos Aranha e seu grupo, Jomard Muniz de Brito, Celso Marconi, Raul Córdula, Chico Pereira, Unhandeija Lisboa e também Zé Ramalho, Jarbas Mariz, Babi, Paulo Paiva, Paulo batera...
Enfim, a galera pensadora e dos conjuntos de bailes, botando pra quebrar. Isso criava um certo clima de efervescencia entre os compositores como eu, que estavam engantinhando na música.
Mas era um tempo de muito embate estético, dos confrontos da bossa nova, da canção de protesto, da música regional, da jovem guarda, nos festivais de música. Algo bem vigoroso para todos. Praticamente a maioria das grandes obras dos compositores paraibanos vieram desse período.
O Jaguaribe Carne está em qual contexto desta história? E que nome esse! Explica:
Pedro Osmar - O grupo Jaguaribe Carne de Estudos surge no meio dos festivais de música dos anos 70, especificamente em 1974, num festival estudantil promovido pelo gremio do Liceu Paraibano.
Os festivais é quem ditavam a moda naquele tempo, era para onde tudo convergia. O Jaguaribe Carne pôde fazer a diferença com suas experimentações, com sua "arte querendo ser diferente dos outros"...
E conseguimos manter essa identidade até hoje, chegando a ser um grupo de arte multimídia com produção ímpar. O nome do grupo tem a ver com nossas inquietações pelo novo, pelos estudos autodidatas das linguagens experimentais e pela coragem.
Coragem de ousar ser diferente, ocupando o lugar de destaque nas idéias que circularam e circulam, até hoje, na cultura paraibana.
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