O Varadouro e suas estrelas:
um retalho histórico
Sexta-feira, 17 de setembro de 2010. A noite era um céu limpinho de estrelas ofuscadas pela iluminação artificial. João Pessoa é uma cidade iluminada, e sob muitos aspectos. Um deles é o fato de, em pleno regime militar (1974), haver gestado uma banda como a Jaguaribe Carne. Banda que foi/é movimento artístico-cultural, grupo de intervenção poético-musical, união de artistas para a ação estético-crítico-popular e vanguardista. Cantando o bairro onde nasceu – e que também leva no nome –, a Jaguaribe Carne também canta a cidade e olha para o seu povo, animando-o, provocando-o, como na minimalista “Comentário”: “Nalva falou / Que estava cansada / De ficar quieta. / E vocês? / O que dizem?”. Estrelas são as pessoas, para a Jaguaribe Carne. Estrela é o povo; a massa dos indivíduos que, dia-a-dia, vivem a/na cidade e, nela, tecem sonhos: deslizando por suas ruas, suas ladeiras, suas praças, suas feiras. A música da Jaguaribe Carne, como bem define Walter Galvão, “é uma lendária rebelião formal propondo questionamentos, belezuras, estratégias iconoclastas e uma poética libertária ao movimento artístico nordestino e brasileiro”. Sim, é.
Por tudo isso e pelo mito que se gerou em torno dos irmãos Pedro Osmar e Paulo Ró, e pela contribuição que eles deram à música paraibana, para nós da Madalena, não somente era uma honra, mas também uma alegria dividir pela primeira vez o palco com eles. Era uma noite de sexta-feira, 17 de setembro de 2010, e o tempo nos presenteou com um céu limpinho e estrelado. Estrelas no céu, estrelas na terra. No Varadouro, no Espaço Mundo, o povo iluminava a noite.
Na passagem de som, Pedro Osmar, armado com a sua viola, berrava o trecho famoso da/na música “Ferrugem popular”, quinta do álbum “Vem no vento”, de 2003: “O poder só morre / De doença natural...” Como Paulo Ró adoecera dois dias antes, Pedro estava sozinho, empunhando um Micro System Toshiba TR7045MP3, para executar sons e efeitos previamente preparados em um CD. A pedido dele, e na mais completa espontaneidade, convidei Nildo Gonzalez (que estava ali na Antenor Navarro, em frente ao busto do próprio) para acompanhá-lo na bateria, em partes combinado-improvisadas – uma das marcas características da banda/movimento, et cetera, et cetera. E o companheiro Nildo, como sempre, mostrou a que veio. Também havíamos combinado que, na quinta música, a Madalena Moog ocuparia o palco e, numa Jam final, conduziria o resto do show.
Só lembro que, já na segunda música, Edy (baixista nosso e da Cabruêra), que via o show ao meu lado, disse: “Vou subir, tocar o baixo...” e subiu, e tocou; e a coisa, a partir daí, começou a pegar fogo. E eu dizia à Renata: “Como é que esse povo aí fora não tem coragem de pagar R$ 5,00 para ver uma coisa danada de boa dessas, hum?!” E ela concordou. A sensação que eu tinha era que, ali, algo histórico estava se configurando. Soube depois, através de amigos, que alguns dos que viam o show foram lá fora convidar outros para que entrassem, pois tinham de ver o que estava acontecendo. O Arthur (Cabruêra), depois dos shows, me contou que ele também fez isso, e botou amigos para dentro, dizendo-lhes que não podiam perder aquilo.
Conforme combinado, subimos ao palco quando o Pedro, cantando/falando, nos convidou com: “Onde é que está a Madalenaaaa?, venha cá, meninaaaa...” E nós fomos. No palco, logo em seguida, vimos o Chico César, empolgadíssimo, unir-se a nós na farra. Ele pegou a Fender Jazz Master do Walter, mas ela estava desligada, e aí eu lhe ofereci a minha Jaguar – não faria isso para tantos outros. A Jam se estendeu, a casa pegou fogo. Lá pelas tantas, vi o Baixinho do Pandeiro entre o público e lhe disse, ao microfone: “Grannnnde Baixinho, chega aqui p’ra festejar com a gente, seu moço.” Não deu outra. Baixinho comandou uns cocos e alguns forrós (algumas músicas do Jackson do Pandeiro), fazendo o povo dançar, rodar, pular... Depois veio ao palco o pernambucano Alexandre Ferreira (da Cascabulho), tocador de pífano que estava aqui pela cidade; em seguida foi a vez do nosso Alex Madureira, que dispensa apresentações. Coco, xaxado, embolada, forró, guitarrada, lambada... tudo misturado nesse caldeirão festivo, e tudo lindo: a casa ficou cheia. A alegria é contagiante.
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