segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O CINZA




04:20 de uma quarta-feira, em um posto de gasolina
um posto de gasolina no Bancários, em João Pessoa
Gabriel deita na grama do jardim, perto dos tanques de gás
deita na grama & olha para o céu, & ele está chapado geral
como é bem comum de vê-lo, sempre, andando por aí
Ele olha para Halisson & diz, numa poético-filosofice baratíssima:
“Essa árvore está dançando com o mundo
& aquela outra é mais bonita do que essa
porque o verde é melhor que o cinza, é...” & eu anoto tudo
Halisson rir, segurando um dos quatro copos que trouxe do bar
que trouxe do Carboni, para serem bem úteis aqui no posto
& para serem ainda mais úteis, depois, em sua cozinha
A cerveja acabou & ninguém tem mais um centavo nos bolsos
& o último cigarro é compartilhado, com gosto de despedida
& o computador da loja de conveniência é um filho de uma puta
desses que, quando mais você precisa dele, lhe deixa na mão

E eu olho para os dois & digo que isso é uma pena
& que é uma merda que Nego não esteja ali, de carro, ou Said
porque poderíamos usar o cartão noutro lugar, ou não
“Você poderá se perder”, eu digo, pensando no dia que já veio
pensando que acordar é sempre uma opção, diferente de dormir
“você poderá estar horrivelmente sozinho na perdição
lamentando que seus amigos também não estejam
Você poderá contar com a sorte, apostar no Destino cego
& poderá ser mais um frustrado na horrível História do Mundo...”

“É foda!” Todo mundo diz & concorda, igual coro de tragédia grega
& parece que toda a conversa se esgotou, com a cerveja & o cigarro
& parece que a realidade é uma violência contra os sentidos
contra o lugar quente & doce da ilusão, da irresponsabilidade
& como é difícil chegar em casa & ver as contas sobre a mesa
& a geladeira que diz, desafiadora: “Me alimenta, canalha desgraçado!”

Com raríssimas exceções, poetas & boêmios não acabam bem
& no fundo, apesar do riso, apesar dos amigos, apesar das garotas
você sempre é & está muito sozinho neste Mundo, do nascimento à morte
& todas as suas loucuras, & todas as loucuras das pessoas que você conhece
são escapas do trágico, são cápsulas contra a dor do mundo
como a música, a poesia, os livros, os filmes & a arte em geral
– pois é preciso enganar a morte, até que a fuga não faça mais sentido
& nos só temos nossos sentidos, & nossos corpos, & pensamentos
mas o pensamento, o pensamento mesmo, instrumental, dói & corta
Igual o muito saber, a razão levada às últimas consequências
não traze a paz de espírito, & nem o contentamento, & nem a felicidade
mas aduba a solidão de invernos inteiros da alma, & o distanciamento
& semeia a aridez do humor, promovendo rugas & cabelos brancos

A grande tentação é a Mentira: a crença & a vontade de amor eterno...
Nada é eterno, nada – como a noite, as cervejas & os cigarros
Nada é eterno. Tudo é contraditório: como o tempo & as frases feitas
o Grande Paradoxo do Mundo é: toda & qualquer afirmação
– Sim, & mesmo aqui, & agora, é preciso duvidar de tudo

Ah, meu amor: se o haxixe, a maconha & o álcool trazem ilusões
& a felicidade artificial, que Santo Agostinho rejeitava tanto, & Nietzsche
me diga, me diga: o que não traz? Que felicidade é real, realmente?
O Mundo pode ser, sim, o sonho louco de um deus mais louco ainda
um teatro do absurdo, com seus atores que entram & saem de cena
atores que representam a vida real, que vivem seus papéis sociais
que pagam a pena da vida, & vão aos shoppings, & passeiam com seus cães
& pensam poder comprar a felicidade com o status em 60 meses
em 60 suaves prestações financiadas pelo Banco do Brasil ou a Caixa
& depois fogem do pensamento amargo que diz que tudo isso é fútil
indo ao Parque Arruda Câmara olhar os jacarés dormindo
& o leão em sua jaula, magro & preguiçoso, & tanto que nem ruge mais
mas olha, malemolente, seus visitantes que têm cara de idiotas
idiotas que fazem milhões de fotos com suas máquinas digitais
& riem de tudo: do macaco-prego em suas macacadas, por exemplo
& do pavão com a sua cauda, & do homem do algodão-doce...

O parque fecha às 17:00, para quem vai entrar
nosso posto é aberto 24h, & a loja de conveniências
& o dia acaba às 06:00 – ou começa, conforme a miséria individual...
Mas o mundo continua girando, & aquela árvore continua dançando com ele
& aquela outra não é tão mais bela do que esta, vítima outonal
porque a beleza é um conceito vazio de Fundamento, como a Verdade
“Verdade” que divide o Mundo em sim & não, preto & branco
& esquece que o cinza – sim, o cinza – está no meio de tudo

Nada é certo, exceto a incerteza



Nenhum comentário: