domingo, 9 de janeiro de 2011

MONET




Monet está pintando um campo com montes de feno
pintando & pintando, repetidas vezes
colhendo as cores do dia, ou tentando fazê-lo...
o passar das horas, a fração mutável do Tempo
& pinta a Catedral de Roeun, de Notre-Dame de Roeun
pintando & pintando, repetidas vezes
colhendo as cores do dia, ou tentando fazê-lo...
o passar das horas, a fração mutável do Tempo
& pinta o Monte Kolsaas, os Poplars/Choupos
pintando & pintando, repetidas vezes
colhendo as cores do dia, ou tentando fazê-lo...
o passar das horas, a fração mutável do Tempo
& pinta os jardins de sua casa
– The Vallery of Creuse / O vale do Creuse –
pintando & pintando, repetidas vezes
colhendo as cores do dia, ou tentando fazê-lo...
o passar das horas, & a fração mutável do Tempo

Monet está inquieto, & bem sabe, & sabe bem:
o Real não pode ser captado, capturado como passarinho
sua inteireza escapa ao sujeito, como o objeto ao conhecimento
provisório, inacabado, modificado, impreciso
– como a luz que incide e diferencia o momento, singular
jamais repetido, jamais visível como é, mesmo, de verdade
nas cores e nas coisas que formam o todo do mundo
somente fenômeno, aparição fenomênica, coisa aí, dada
dada e desvelada pela luz que cria a ilusão do Real
a mesma luz que desvela & re-cobre, disfarça & traduz
– que a luz & a escuridão são, para a Verdade
uma só & a mesma coisa... & Blake diz a Monet:
“Se as portas da percepção se desvelassem
cada coisa te apareceria como é: infinita...”
Mas isso não ocorre assim; não ocorre, não

& Monet pensa... & por pensar, repete-se
pintando montes de feno, & a Catedral de Roeun
colhendo as cores do dia, ou tentando fazê-lo...
o passar das horas, a fração mutável do Tempo
&, por pensar, Monet não se repete, não se repete nunca
pois não há um processo repetitivo, em nada do Mundo
– como a Marylin de Andy Warhol, no silk-screen
como as canções do Chico, ouvidas seguidamente
que cada uma delas é sempre outra, como a chama
o fogo de Heráclito, & a percepção individual
O mais do mesmo nunca é assim, & Monet sabe
pois cada audição ou visão da “coisa” é sempre outra
tal qual a moça que se debruça na janela
& vê a banda passar, querendo um amor azul

Monet repete-se, Monet não se repete
Tudo é provisório. Sim, & mesmo o ato “acabado”
como uma impressão sobre o nascer do Sol...
O trabalho final é um rascunho que carece ser
sempre & sempre, passado a limpo, finalizado
mas não há “o” final, nem tampouco “o” limpo
como não há o claro, & nem o escuro
– somente a condição circunstancial, & a impressão
o ponto de vista do espectador & seu objeto...

Monet está ficando louco, ou cego, ou ambos
Mas não como um Van Gogh, dilacerado
&, no entanto, bem aí por dentro
bem aí onde moram os terrores & os abismos
& os túmulos de Alice & Camille Doncieux
Monet sabe-se lúcido, & criador de impressões:
os borrões que, de longe, mostram coisas
& as coisas que não se mostram, realmente
A torre da Catedral de Rouen é mesma, sempre
& nunca é a mesma, sempre
& por isso mesmo, é, sempre não-sendo:
uma manhã de inverno reinventa-a
como ocorre em uma tarde de primavera
e conforme as estações da alma vão se alternando
em cada um que vê o objeto, sentindo-o, solitário
– que o coração comanda o corpo
numa metáfora sentimental sofrível
mais que o cérebro, a visão, & a razão instrumental

Monet está pintando a floresta de Fontainebleu...
Mas, que diz este poeta colorido, embriagado?
Uma floresta não pode ser pintada, não... & pode, sim
mas, onde se achariam tintas & pinceis para tantas árvores?

Monet está pintando suas mulheres no jardim
pintando & pintando, repetidas vezes
colhendo as cores do dia, ou tentando fazê-lo...
o passar das horas, & a fração mutável do Tempo


(P.)

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