segunda-feira, 6 de junho de 2011

Nada é de graça! Nada!

(uma carta-manifesto)




Bem recentemente, quando se soube que a SECULT (Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba) apoiaria o lançamento do livro “Fela – Esta Vida Puta” (editora Nandyala), do cubano Carlos Moore, e que o mesmo vinha com um depoimento do seu secretário, o paraibano de Catolé do Rocha, Chico César, surgiu a discussão sobre o tipo de apoio que a SECULT estaria dando, e se, caso houvesse algum apoio financeiro, era coisa legítima, legal e moral, uma vez que, deixando de apoiar artistas locais, etc., estaria apoiando – independentemente da importância do livro e de seus envolvidos – particulares (autor e editora) que não têm ligações outras com o Estado. Enfim, essa não é, aqui, a questão que quero colocar. Minha intenção, por hora – uma vez que um amigo (Edy Gonzaga) mencionou meu nome em uma afirmação que tenho usado com alguma frequência (“Nada é de graça!”) –, é demonstrar o fundamento do afirmado: a não gratuidade de eventos que se dizem gratuitos. Tarefa que não é de difícil demonstração, e menos ainda de compreensão.
...........Imagine que, no caso acima, a SECULT tenha apenas dado “apoio moral”, com a boa intenção de “divulgar a vida e a obra de um líder negro muito importante”; imagine ainda que, excetuando a propaganda feita sobre o tal lançamento do livro, envolvendo o nome da secretaria, não houvesse despesa alguma para a mesma – ou para o contribuinte, nós, no caso. Pois bem, eu estive no lançamento do livro, na noite do dia 25 de maio de 2011, nas dependências do Sebo Cultural, e posso falar do que vi, do que vejo, do que sei.
...........1) Não foi de graça que o Sebo abriu suas portas ao lançamento. Por que? Porque o Sebo estava em plena atividade, gastando energia, pagando funcionários, vendendo livros, etc. – eu mesmo comprei um, no dia (uma coletânea de poemas de três poetas beat). Associados ao lançamento estavam, neste caso, o nome do Sebo, sua propaganda, investimentos e lucros (capital simbólico e comercial);
...........2) Havia um equipamento de som – de onde veio? Eu sei: uma amiga o emprestou (não preciso dizer seu nome, claro; mas tomei uma cerveja junto a ela, e fumei um Hollywood que a mesma me cedeu) e, para leva-lo, com certeza teve gastos: mão de obra, combustível, tempo, etc. Aliás, a mesma me confidenciou estar na ativa desde cedo, e já eram quase 22:00;
...........3) Havia um carrinho de espetos e cerveja na entrada – e ele somente estava ali por causa do movimento que havia na noite. Ou seja: alguém, que nada tem a ver com o evento, também teve algum lucro com ele (como também ocorre com os ambulantes ali pelo Centro Histórico em dias de eventos) – e adivinhem onde foi que eu comprei a única cerveja que bebi naquela noite?
...........4) Duas questões que não sei responder, e quem vêm ao caso meramente como ilustração: a) quem pagou a passagem do autor do livro sendo lançado, e b) sua hospedagem e locomoção até o local do evento e após? Vocês hão de convir que, para isso, gastos são necessários;
...........5) Quando ao público, me coloco como exemplo. Eu mesmo, para me locomover até o local do evento “gratuito”, e como os demais, tive de pagar a minha passagem de ônibus ou o combustível para o meu carro. Ou seja: mesmo isto sendo um pequenino gasto – insignificante mesmo; mas significante, se levamos a questão ao pé da letra –, é, afinal, um gasto;
...........6) Imagine que você, andando ali pela Antenor Navarro, recolha uma garrafa de cerveja, long neck, vazia. Você olha para o seu amigo e diz: “Quanto custa isto?” Ele dirá, certamente. “Nada. Isso é lixo.” Só que, ao comprar a tal cerveja, o desconhecido proprietário daquela garrafa, agora vazia, não pagou apenas pela cerveja, mas também pelo seu vasilhame; embora tenha se livrado dele após sorver o seu liquido. Sim, aquela garrafa, vazia, tem muitos preços: de fabricação, de transporte, de impostos, etc. – mesmo que, aparentemente, agora, nada custe;
...........7) Outras questões, com certeza, poderiam ser elencadas aqui, mas estas, creio, servem para ilustrar o que estou tentando dizer desde o início – contra as palavras de quem ousa dizer que há “eventos gratuitos” (e nem vou tocar na questão de quando tais eventos ocorrem em lugares como bares, em que os artistas nada ganham, além de “divulgarem seus trabalhos”, enquanto o bar ganha vendendo garrafas e mais garrafas cheias de cerveja, ou despejando-as eu outros recipientes, funcionando, ambos, para o que vieram), em que o espectador/público, em teoria, “nada paga”.
...........Pode parecer birra de um cara chato e rabugento – que seja! –, mas, como dizia Martinho Lutero: “A verdade é a verdade, esteja na boca de quem estiver.” Eu acredito nisso. E acredito mais: acredito que nós, artistas – pelo menos os que se levam a sério –, temos de começar a entender muito bem essa mecânica econômica: que alguém sempre sai lucrando com o que fazemos, investimos para poder fazer. E, não!, não estou dizendo que vamos entrar numa “visú” capitalista-mercantilista, e ainda mais se não temos um nome tão bem projetado no meio artístico-cultural da cidade, ou um bom apelo que gere público (isso deve valer contra quaisquer porraloquices-estrelistas de bandas ainda pequenas e pouco expressivas, ou outras expressões artístico-culturais).
...........O que digo, afinal – e se queremos valorizar a nossa arte e o nosso nome –, é que temos de selecionar muito bem os eventos em que vamos tocar (ou apresentar algum outro espetáculo), sabendo que, se alguém sempre sai ganhando com isto, temos nós também, sim, de ganhar alguma coisa – mesmo que essa “coisa” não seja o “capim” com o qual pagamos o leite das crianças.
...........O que digo, finalmente, é que não há eventos gratuitos; e já é hora de, além de nós (e que isso se aplique e se estenda a qualquer outra expressão artística além da música, que é o nosso caso) que pagamos ensaios, aluguel de estúdios, compramos equipamentos, etc., outros também perceberem a esperteza de quem propaga esta velha e safada mentira, apresentando-se hora como promotor ou promotora de alguma cultura, hora como gente bem intencionada, etc. Quando você encontrar alguém muito bem intencionado ou muito bem intencionada, DESCONFIE.
...........E, para concluir, um aviso: não preciso que você, amigo, concorde comigo, se não entende que eu tenho razão! Mas, se assim entender e ainda assim discordar, então, meu amor: vá à merda!
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Patativa Moog é pernambucano; escreve as letras e faz as músicas da banda paraibana Madalena Moog; é professor na FIP (e em outros lugares menos ortodoxos), com mestrado em História da Filosofia e doutorado em Filosofia da Religião, área que também atua como pesquisador.

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