domingo, 5 de junho de 2011

HOJE, NO CIRCO: O FIM DO MUNDO!

Uma audição falada para o EP “Coisas belas e sujas”, do projeto Cinemerne



“Feche os olhos! Deus está dançando.” (Paulo Henrique)

É um domingo, 13:20, e eu estou ouvindo, pela primeira vez – e praticamente em primeira-mão –, o EP “Coisas belas e sujas”, do projeto Cinemerne, encabeçado (e quase todo tocado e produzido) pelo sergipano (da cidade de Lagarto) e multi-instrumentista Paulo Henrique, ex-Lacertae (que ainda está na ativa). Nele, também Léo Airplane (tecladista da Plástico Lunar) põe sua assinatura, tocando vários instrumentos, fazendo arranjos e coproduzindo. Os dois são os culpados pelo resultado final. Cinemerne é o nome que, na língua dos utopianos (leia A Utopia, de Thomas Moore), significa “festa inicial”, celebrada nos primeiros e últimos dias dos meses lunares no ano revolucionário-solar.
É um domingo de ressaca, depois de uma sexta de estradas cruzadas e um sábado alcoolizado, e um resfriado mal vindo.
É um domingo e eu penso que, para falar sobre este trabalho incrivelmente bom do Paulinho, como os amigos mais próximos o chamam, eu precisava estar com a cabeça no lugar, e corpo também. Mas caio em mim e, “não!”, penso, “é justamente o contrário!” Por isso, continuo. Mas, antes, tenho que falar do sábado, que foi quando o amigo Jesuíno André me presenteou com um exemplar do referido EP.
“Pata, o Paulinho é um artista maravilhoso; e depois de muito tempo sem gravar alguma coisa voltou àtiva com este trabalho. Dá uma sacada e diz o que você achou.” Ele dizia, enquanto a gente deixava a tarde passar pela orla de Cabo Branco, entre uma cerveja, um ensopado de camarão e umas doses generosas de cachaça Serra Limpa.
E eis aqui o que eu acho:
As 5 canções de “Coisas belas e sujas” – nome de uma delas e também de um filme do diretor britânico Stephen Frears, lançado em 2010 – soam monocromáticas, monocórdicas e, por incrível que pareça, não deixam “a peteca cair”, mas mantêm-se como um enorme discurso poético-gritado, psicodélico-pirado, às vezes raivoso, às vezes delicioso, como no começo da música que dá nome ao projeto: “Uma flor se espreguiça ao sol, / Uma formiga carrega um grão. / Uma pobre mulher se sente só. / Um doente novamente se sente são. / E esses dias são tão tristes.” Trata-se, para quem sabe ouvir, de uma cadência experimental que, no que é possível, foge aos modelos estabelecidos, como fórmula para... Ouça-o inteiro, Helena; ouça-o inteiro.
Quem conhece P.H., sabe que que ele também já esteve assim: como a flor, a formiga, a mulher solitária, e o doente que fica bom. “Paulinho esteve ausente muito tempo, Pata; meio perdido em [...], e ele diz que foi a música que o salvou, lhe mantendo são...” São palavras de Jesuíno, falando de um amigo a outro amigo, sem juízos e sem clichês impressionantes, e a música aí, no meio da gente, no meio das conversas. Sim! Um bom delírio, às vezes, pode nos salvar da piração absoluta! E elas são muitas, e manifestam-se de muitas maneiras. E é por isso que, observando músicas e letras, começo a perceber que, sim – e somente o autor poderá dizer o contrário –, há muito da história de vida deste artista incrível, desse cara incrivelmente talentoso, mostrando seu mundo, suas referências, sua pródiga imaginação que voa mundo afora (China, Rússia, Atlântida, Índia, Alexandria, etc...), seus gostos pelo surrealismo multicolorido de Van Gogh, pela tensão imagética de Stephen Frears, que parece plastificar e amarrar todas as demais referências, como se, a não ser pela imaginação, não fosse coisa boa sair lá fora, onde está, o tempo todo “chovendo querosene”, e onde há “um idiota cantando na chuva... [e] esse aí sou eu...”, e que, por isso, e para ele, “hoje, no Circo, [poderá ser] o fim do mundo”. Quase todas as letras têm esse tom hora melancólico, hora sombrio, descrevendo imagens cinzentas (como o céu enegrecido pelos corvos que, na capa, desabam sobre o dourado trigal das/nas cores de Van Gogh), como quando se diz de “uma alma que sente suja”, ou “esse vazio que tanto insiste, como a solidão na vida deu um monge”, e, não por fim, quando é mencionada “uma criança que nunca sorriu”...
Não, não; melhor não! Melhor voltar atrás, fantasiar outros campos, pensar que “hoje não estou demente / [pensar que] a luz brilha no quarto / Vermelho sol poente / [pensar que] a tristeza tem fim / [pensar que] o dia sorri pra mim”. Sim, apesar de tudo, e por ser uma via catártica, a música, mesmo a mais triste e dolorosa, pode expurgar medos e raivas, desencantos e frustrações. A arte é, sim – e a música é sua mais acabada manifestação –, a grande saída contra o trágico que impera no mundo. E P. H. sabe disso, e sabe bem; e faz coro com os poetas gregos, e com Schopenhauer, e com Nietzsche, e com tantos outros que souberam ver o céu encarvoado de corvos famintos e, acima deles, um sol solitário... e sua luz. A arte é um escape do trágico!
Hoje é domingo, e agora são 14:20, e esta é a terceira vez que coloco o EP para tocar enquanto escrevo sobre ele, e estou resfriado, e sem almoço... e a fome vem me dizer que é hora de comer.
Talvez eu pudesse, noutra hora, reescrever tudo o que disse aqui, de modo mais cuidadoso e criterioso. Seja como for, e até aqui, esta foi uma fiel tentativa de descrever a minha primeira impressão sobre o “Coisas belas...”, e ela foi boa, e eu não costumo ouvir algo tantas vezes seguidamente, e gostar do mesmo jeito, seguidamente. Enfim... é apenas uma crítica, e bem pessoal. Bom mesmo é que você, Helena, ouça e tenha as suas próprias impressões. Por hora, vou ali no Hiper da Lagoa comprar algo que sirva de almoço, antes que chegue “a tempestade [que] está perto”, e enquanto “o dia sorri pra mim”. Talvez, depois, como disse, eu mude tudo o que escrevi aqui; talvez não – que é o mais provável.
E lá me vou, assim, cantarolando com voz gutural e simulando uma roda de pogo com os meus outros Eus: “Uma jaula dentro da cabeça! Todos têm medo que escureça! / E gira. E gira o mundo. Nobre vagabundo. / Hoje no circo! O fim do mundo!...”

(P.M.)

Cinemerne, "Coisas belas e sujas": DOWNLOAD

Mais do projeto disponível em:
www.myspace.com/CINEMERNE
www.soundcloud.com/cinemerne

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Outras críticas sobre este EP:

Yellow Domain (entrevista com Paulo Henrique):
Pelas Bandas de Sergipe:
Spleen e Charutos:

Um comentário:

Rosalina disse...

O trabalho de PH, é sem dúvida bastante incomum, eu diria que é a arte em sua forma mais pura, sem o apelo comercial, sem a necessidade de vender. Como diria o Cineasta Lars Von Trier, "mostra as coisas com elas são".